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Olhar atento à linguagem emergente na arte

18/09/2018

Olhar atento à linguagem emergente na arte

Designer, pesquisadora e professora da UFRJ, com mestrado e doutorado pela PUC-Rio, Doris Kosminsky acumula uma ampla experiência profissional, incluindo 20 anos no Departamento de Arte do Jornalismo da TV Globo. Agora, como curadora da exposição “Existência Numérica”, aborda, no Oi Futuro, uma linguagem emergente na arte: a visualização de dados, um processo de sistematização e digitalização que confirma a supremacia dos números no século XXI.

OF. Como surgiu a ideia de realizar a exposição “Existência Numérica”?

DK. Venho me dedicando à pesquisa em visualização de dados desde 2010, e desejava criar uma exposição no Brasil. Barbara Castro, doutoranda em Arte Visuais que atua no Labvis-UFRJ comigo, e Luiz Ludwig, que já era professor de Design da PUC-Rio, vinham idealizando e produzindo exposições com arte e tecnologia juntos no estúdio Ambos&& e tinham experiência na área. Quando eles identificaram a afinidade
com a linha curatorial do Centro Cultural Oi Futuro, me convidaram para realizar a curadoria. O edital nos estimulou a formar o núcleo de criação da exposição “Existência Numérica” e formatar um projeto que aproximasse a visualização de dados do público, a partir do campo da arte.

OF. Quais as principais questões contemporâneas abordadas nesta mostra?

DK. A principal questão contemporânea abordada nesta exposição trata-se do monumental aumento no volume de dados produzidos e compartilhados diariamente. Nesse momento, seria como se a cada dia fossem gravados 4 milhões de HDs de 1 Terabyte cada. Isso equivale a 380 milhões horas de vídeo em qualidade DVD a cada dia, todos os dias. Esses dados correspondem à digitalização de arquivos, filmes e livros, dentre outros formatos, assim como imagens, vídeos e mensagens compartilhadas, mas também dados de sensores, somados aos rastros involuntários que deixamos não apenas na internet, mas nos acessos bancários, compras e deslocamentos. Como dar conta de compreender esse universo de dados? A questão principal se amplia quando pensamos nos dados pessoais que são coletados. Surgem questões éticas e sobre o nível de privacidade. De que modo as grandes companhias como Facebook e Google, por exemplo, lidam com os nossos dados? Quanto da nossa privacidade se encontra exposta? O quanto a análise dos dados que deixamos nas redes ou ao comprar alguma coisa pode influir na informação e na publicidade que chegam até nós? De que forma essa nova realidade de dados pode mudar as nossas vidas?

OF. A visualização artística de dados pode ser considerada uma nova forma de arte, ou melhor, uma arte do agora?

DK. Dados têm sido usados como tema e estrutura material para a criação de obras de arte. Sua presença pode funcionar como uma prova de vínculo com a realidade. Com isso, uma visualização pode equivaler ao retrato de um determinado momento ou permitir a exploração de diferentes fluxos relacionados à nossa existência. Podemos acompanhar o que se comenta sobre um acontecimento político ou cultural através do que é postado nas redes sociais. Mas, de que modo isso pode ser considerado arte? Como a informação pode se transubstanciar em poética? É preciso que, para isso, a obra seja capaz de transcender o aspecto utilitário da representação, evidenciando sugestões ocultas nos dados e transmitindo uma mensagem poética, que pode ou não ser de ordem estética.

OF. Conte-nos sobre o trabalho de curadoria e a seleção dos artistas.

DK. Como curadora, meu foco foi trazer obras que se aproximassem da realidade brasileira. Não se tratou de necessariamente usar dados sobre o Brasil ou Rio de Janeiro, mas de apresentar visualizações capazes de sensibilizar o visitante a partir da evidência de uma poética existente nos dados. A exposição irá apresentar alguns famosos trabalhos do português Pedro Miguel Cruz, tais como “Visualizing Empires Decline” e “Lisbon Vassels”, além de uma obra inédita empregando dados sobre imigração. A meu pedido, ele também vai utilizar dados de imigração para o Brasil em uma das obras. Outro trabalho bem importante é “City Flows”, de Till Nagel e Christopher Pietsch, sobre os deslocamentos de bicicletas de aluguel em diversas cidades do mundo ao longo de 24 horas. Estamos batalhando para oferecer uma surpresa dentro deste trabalho. Além dos estrangeiros, teremos uma escultura paramétrica de Alice Bodanzky que irá empregar dados dos investimentos em ciência no Brasil; Barbara Castro irá abordar a relação entre conectividade e vitalidade e a obra de Luiz Ludwig irá visualizar o discurso produzido pela comunidade artística. Além disso, estou desenvolvendo um trabalho autoral, junto com o Claudio Esperança, que usa os prenomes dos brasileiros para falar sobre privacidade e mentiras na internet.

OF. Como tem sido a sua experiência no Laboratório da Visualidade e Visualização da Escola de Belas Artes da UFRJ?

DK. Muita gente bacana e criativa passou pelo LabVis; excelentes alunos que hoje são profissionais e professores reconhecidos. Além disso, a parceria com o Claudio Esperança, que é professor de computação gráfica, nos apresentou outras possibilidades a partir da interação da arte e do design com a programação. Com isso, tivemos ótimas oportunidades, inclusive convites para integrar equipes em projetos de visualização no exterior. Além disso, o LabVis tem um site onde postamos não apenas os trabalhos e pesquisas que desenvolvemos, mas onde também apresentamos um levantamento permanente dos melhores trabalhos relacionados ao campo da visualização de dados. Tem sido usado como referência e nos dá um retorno muito importante. Infelizmente, a universidade está passando por um período muito difícil, principalmente para a Escola de Belas Artes depois que um incêndio ocorrido há quase dois anos nos retirou salas e espaços de trabalho. Apesar disso, continuo apaixonada pela visualização e agradecida aos alunos que sempre nos trazem esperança de momentos melhores.

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